Zeppelin

14/08/2009

Há (no mínimo) um momento em sua vida que você vai parar e pensar em todas as coisas que você já fez. Você irá lembrar de coisas que pareciam terem sido perdidas com os anos, na correria do dia a dia. Imagens vem e vão na sua mente como cenas cortadas de um filme europeu.

É terça-feira, dois de outubro. Luisa e Levi haviam gasto a tarde inteira dando os últimos toques de graça ao quarto dos novos hospedes que de virão em breve. A pintura clara do quarto é impecável. É um verde-cinza-amarelado-claro, ou simplesmente oliva, com detalhes em madeira branca próximos ao teto. Ainda nas paredes, o papel-de-parede escolhido por eles é estampado com pequenas folhas e ramos de oliveira. Minúsculos girassóis quase imperceptíveis são distribuidos aleatóriamente entre eles. No centro do quarto, um zepelin iluminado junto com pequenos balhões são arranjados sobre os berços. Quando acesos eles brilham uma luz suave branca em seus interiores, dando ao quarto as suas cores. Há alguns bonecos de pelúcia que Levi comprou durante todo esse tempo de gestação de Luisa espalhados em prateleiras nas paredes do quarto. No chão, o piso de madeira cobre-o completamente.

Enquanto Levi sai para comprar o jantar, Luisa fica um pouco mais no quarto olhando os pequenos detalhes. Ela senta-se em uma poltrona cor de marfim que eles puseram ali para as noites em que eles teriam de ficar acordados. Então ela ligou o cd player baixinho. “Sparks”, coldplay. Enquanto ela observa o zepelin e os balões iluminados pensa na sua infância. O aniversário de 6 anos, o primeiro livro, os diários antigos que ela ainda os guarda, o primeiro romance, o primeiro beijo. O baile de 15 anos, a primeira vez que viu Levi, o primeiro fim de tarde com ele no coreto. A entrada na faculdade, os primeiros planos de uma vida a dois, o baile de formatura, o primeiro emprego, a primeira demissão, o primeiro emprego “bem-melhor-que-o-anterior”. A viagem para a casa de praia com a família dela e Levi, o pedido de casamento na madrugada do dia 21 de julho a beira-mar, enquanto os dois estavam sentados na areia olhando estrelas, o jantar de noivado. A nova casa, o casamento, a nova vida. Tudo isso se passava como um filme. As lembranças, a canções, a espera do começo de mais uma nova fase da sua vida, isso a fez chorar lentamente ao mesmo tempo em que sorria, vendo o zepelin girar. Nesse momento Levi chega chamando teu nome.
– “Luisa?”
– “Estou aqui no quarto, amor.”
– “Por quê está escuro aqui, amor?”. Pergunta Levi acendendo as luzes do quarto.
– “Ah, eu fiquei aqui pensando, olhando o quarto, pensando no quanto a nossa vida irá mudar nos próximos dias”. Diz Luisa enquanto passa a mão para enchugar seus olhos.
– “Você chorava? Por que, amor? Não deviamos estar felizes? Daqui a alguns dias não seremos mais só nós dois. Iremos ser pais, Luisa”. Disse Levi com os olhos brilhando, empolgadíssimo.
– “Eu sei, Levi. sabe, eu estou muito feliz. Meu Deus, acho até que sou impossivel de dizer e demonstrar o quão eu tenho estado feliz. Acho que foi exatamente por isso que eu chorei. Esse momento que estamos vivendo é um mimento glorioso, Levi. Com toda a certeza que há nesse mundo eu posso afirmar: esse é o momento mais feliz de minha vida”. Disse Luisa voltando ao choro.
– “Eu sei, amor, eu sei” – disse Levi super feliz, abraçando forte Luisa. “eu não me arrependo de nada contigo em minha vida. Nenhuma vez que faltei ao trabalho para cuidar de ti, ou das vezes que tive que acordar a noite para te deixar na casa de sua mãe para você cuidar dela… De nada, amor. Você me faz mais feliz. Você vai me dar algo que vai mudar minha vida completamente. Você é a mulher que eu escolhi para ser minha, a mãe dos meus filhos. Alguém a quem eu realmente amo. De verdade. Vamos ser felizes juntos, como der pra ser”.
– “Eu sei que vou Levi, eu sei que vamos ser. Com você não temo nada. Sei que você é, sem dúvidas, aquele alguém que vai saber me fazer feliz, sempre”. 

Nem sempre nessa vida um sorriso significa alegria. Talvez a maior e mais verdadeira expressão de alegria seja o choro. Talvez. A vida vai te trazer e levar amores, amizades, tristezas e alegrias, mas a escolha de tê-las ou não em tua vida, é você quem faz.

Garoa

30/04/2009

Quinto dia do mês de agosto, chove, coisa que não era para acontecer nesta época do ano. Luisa revê fotos de um tempo atrás, quatro anos, três meses e oito dias. Ela vê também as fotos do dia anterior ao teu casamento, lembra que eles tiveram a idéia de fotografar o dia da véspera do casamento inteiro, a cada meia-hora, para lembrarem da última vez que eles seriam menos felizes.

Incrível a certeza que os dois tinham quanto a isso. As palavras de Levi, a doçura de Luisa; o sorriso tímido de Luisa, a serenidade do Levi; as confusões de Levi, a determinação de Luisa. Como peças de um quebra-cabeça, todas essas coisas, embora diferentes, se encaixariam perfeitamente.

Ao passar as fotos ela revive cada um daqueles instantes, escorada na cabeceira da cama no fim da tarde. As canções no coreto, as pedras lançadas na lagoa do parque botânico, o café num lugar mais calmo, ela deitada num banco com a cabeça sobre o colo de Levi, enquanto ele mexia em teu cabelo. Acho que a melhor palavra para eles dois segue no título de uma canção, ou na última palavra de um refrão.

E Levi? Levi saiu para comprar sorvete de chocolate com menta, pois esse foi o último desejo que os oito meses (e um pouco mais) de gravidez de Luisa pediu.

Na Janela

24/02/2009

– Luisa, como vai tua mãe?
– Fui lá ontem, Levi. Ela não tá nada bem. Voltou a fumar, coisa que ela não fazia desde que eu tinha cinco anos de idade. Sabe, as vezes ela fala algumas coisas sem sentido. Minha tia tinha até dito que ela estava dizendo que falava com anjos, que eles vinham até ela e falavam sobre o futuro, coisas assim, muito estranhas.
– Tá grave assim o estado dela?
– Pois é. Eu tinha até pedido para Felipe me ligar, caso acontecesse algo, mas minhas tias pediram para ele não me preocupar, por causa da minha gravidez, etc..
– Mas o que você poderia fazer, Luisa? Você está na última semana de gravidez, e você sabe, o médico já alertou, que sua gravidez é de risco. Você não devia nem ter ido lá.
– Eu sei, Levi, mas ela anda precisando de mim…
– Claro, eu sei Luisa, mas agora tem duas “pessoinhas” precisando muito mais de você agora…
– Como assim, Levi? Não me diz que…
– Isso mesmo. Eu passei na clínica e peguei os exames. Eu sei que você queria que fosse surpresa pra você, mas eu não resisti ao te ver triste assim, tinha que te deixar contente.
– Contente?! Só Contente?! Você me deu a melhor notícia da minha vida.
– Quer escolher os nomes?
– Como você prefere? Cada um escolhe o de um?
– Não, entramos em acordo, pois acho que você gostaria de dar nome a uma garotinha também, certo?
– O que?! São um casal?!
– Isso mesmo, Luisa, não é demais?!
– Agora eu estou triplamente feliz!
– Triplamente? Não seria duplamente?
– Levi, você é minha felicidade fundamental, sem você as “outras duas” não teriam vindo.
– Você é meu amor, Luisa. Eu vou te amar pra sempre, mesmo, nem que isso me custe todo o sangue.

Foi só eu acordar pra perceber que você não estava aqui. Foi só eu levantar pra descobrir, eu já não tinha aonde ir.
Cadê você? Cadê você?
Foi só eu precisar de um minuto que era meu pra você se distrair. Foi só eu confessar tudo que eu já neguei pra você se despedir.
Cadê você?
Só agora eu descobri dez motivos pra sorrir, dez minutos pra me achar e dez segundos pra te ouvir.
Cadê você ?
Felicidade,
Cadê você?

40 semanas.

09/02/2009

5h22min, me levanto, calço minha sandália e vou à cozinha. Tomo um pouco de água, penso em como dizer, imagino mil possibilidades, crio cem maneiras de contar a mesma estória. Vou ao banheiro, me olho no espelho, ensaio falas, tento criar a melhor forma de te contar. Penso na tua reação, na tua cara quando eu te disser… O que será que você vai pensar? Olho me pela última vez no espelho, sorrio sozinha, ponho meu cabelo para trás da orelha, como você sempre fazia, e me lembro de tudo que vivemos nesse todo tempo, os melhores tempos, com certeza. E como será daqui pra frente?

Saio, volto pra cama, onde você ainda está dormindo. Deito lentamente ao teu lado, vou passando a mão no teu rosto, descendo até teu peito. Você abre os olhos, me sorri, me beija, diz que estou linda, me abraça, e ficamos ali deitados, com as pontas dos narizes encostados, enquanto nos olhamos sorrindo. Você passa a mão no meu rosto, coloca meu cabelo para trás da orelha, acariciando-a depois, parando a mão na minha nuca. Desliso os meus dedos em teu nariz e digo:

– Imagina quando a gente tiver fazendo isso naquele narizinho pequenininho…

– Não me diga!!! Sério?!

– [risos e choros misturados] Sério! Tive a certeza ontem à noite, antes de dormir.

–  [risos e choros misturados] Não acredito Luisa, eu não podia estar mais feliz!

– Também, também, acho que hoje é o dia mais feliz da minha vida…

– Da sua não, da nossa vida! Alguém mais sabe?

– Não, não, queria que você fosse o primeiro a saber.

– Eu não podia estar mais feliz, Luisa, sério! Te amo Luisa, te amo, te amo, te amo!

– Também te amo Levi, [risos]. Mais tarde vamos ao médico, certo?

– Certo, certo, claro! Você precisa ter cuidado agora. Já da pra sentir?

– Não, né Levi. Faz pouco tempo.

– Ah, mais deixa eu tentar sentir…[risos]

Ele foi melhor do que eu pensava, ficou mais feliz do que eu pensava, e espero que nós dois, ou melhor, nós três, possamos ser mais felizes do que eu possa imaginar. Agora deixa ele brincar um pouco com minha barriga.

“Por favor, pare onde você está. Baixe as malas em direção ao chão. Não dê mais nenhum passo em direção a porta se não for pra fechá-la por dentro. Não vá amor, por favor. Sabe, nada aqui fará sentido nenhum sem você. Eu não vou poder suportar olhar essas paredes e ver que nós as pintamos juntos, com a cor que você mesma escolheu. Eu não vou poder deitar sozinho na nossa cama e chorar ao não te ver ali comigo. E como eu vou poder sentar em paz neste sofá sem lembrar aquela noite que fez frio e a gente dormiu por aqui mesmo, depois de assistir aquele teu filme favorito. Ah, sem contar todas as vezes que eu for à geladeira e ver nossa foto pregada lá, com todos aqueles imãs que você mesma fez. Essa casa não vai ser a mesma sem você, esse lugar não vai fazer o mínimo sentido sem você. Eu sei que errei por muitas vezes, eu posso não ter sido o marido mais presente, mas fez-se necessário para tentar te dar a vida que eu acho que você merecia. Luisa, por favor, eu te imploro, eu me humilho, eu me rejeito, mas, por favor, fica. Fica e cuida de nós, cuida da nossa casa, amor. Eu troco de emprego se for pra te ter aqui, te ter mais perto de mim, mas, por favor, não vá. Sabe, eu quando mais novo pensei que o mais importante era ter uma bela casa, um bom emprego e construir uma família sobre bons princípios, mas eu falhei. Eu consegui o melhor emprego que eu podia querer, a casa do meu, dos nossos sonhos, mas não consegui ser o marido perfeito que eu sempre quis ser. Vá pra casa dos seus pais se quiser, passe uma semana, uns dias, mas volte, não vá embora, não desista de nós ainda amor. Você é a coisa mais importante em minha vida, você é a mulher que eu escolhi pra ser pra sempre minha, e só minha, e que eu escolhi pra me doar, e ser seu, somente seu. É aquela na qual eu quero envelhecer junto, do berço à tumba, eu quero passar com você. Eleve nossos momentos felizes, esqueça os tristes, me ensina a ser melhor pra ti.”

…Foi isso que você me disse, Levi. Eu disse que lembrava.

– Nunca foi fácil. Nada que eu quis. Nada pra mim. Eu já tive amores que não quis ter, eu já fui para lugares que não me interessava ir, eu já fiz coisas sem poder. A faculdade que eu mais quis, eu não passei, fiquei na primeira suplência e ninguém desistiu. O emprego que paga melhor teve suas vagas preenchidas 20min antes de eu chegar. As coisas, objetos que eu sempre desejei jamais passaram por minhas mãos. Todas as garotas que eu quis ter na minha adolescência jamais sorriram pra mim. Eu só posso acreditar que meu sol é o que brilha menos.

– Não é bem assim. O que te fez pensar nisso?

– Sabe, nos últimos dias meus pais têm brigado demais. Se algum apaga uma luz que o outro não queria que fosse apagada, eles brigam, se o sol entra mais forte pela janela de um do que do outro, é mais motivo pra briga. Meu pai faz insinuações sobre o quão seria bom se minha mãe fosse embora, minha mãe responde em tom de irônia “Eu também amo viver aqui, né?”, diz que se tivesse pra onde ir já teria saido de casa. Esses dias tem sido bastante difíceis. Tenho preferido passar o dia inteiro em praças, biblioteca, cantinas, qualquer lugar que eu não precise ouvir e presenciar tudo isso. Eu lembro de quando eles diziam que eu era muito novo para saber o que queria, que meus atos ainda eram impensados. E como era o pensamento deles quando resolveram se juntar? Foi um ato impensado? Então pra quê dizer que eu tenho que me casar com alguém que eu amo de verdade, já que eles se amavam e vivem assim?

– Calma Levi, você tá muito exaltado ainda. Se acalme, deixa eu te pegar um pouco de água.

– Sabe Luisa, quando eles se juntam, basta um olhar pro outro que não faltam motivos para as brigas começarem. Eu não aguento mais isso.

– Vem cá, deixa eu te abraçar. Não fica assim, quem sabe eles não se entendem, vê que isso é uma grande bobagem e resolvem conversar.

– Muito difícil, Luisa, muito. Acho que preferia que eles se separassem de vez e cada um fosse para seu lugar, ao menos assim as brigas acabariam. O clima lá em casa está muito denso.

– Certo, certo, agora tenta se acalmar. Olha, quando eles começarem a brigar e você não quiser ficar lá, me liga, ou venha para cá. Não, melhor, venha para cá e iremos para outro lugar qualquer, qualquer um te faça se sentir melhor, certo?

– Certo, mas chega de falar isso por hoje, não quero mais saber de brigas, brigas e mais brigas.

– Então me dá aquele sorriso que o mundo tem inveja, não é assim que você diz, e me beija.

pra Levi

03/02/2009

Talvez você estranhe, talvez me odeie. Talvez você goste de eu ter me preocupado, talvez você não concorde com tudo que vou dizer, talvez com nada. Mas eu preciso dizer, eu não suporto mais. Coisas estranhas têm acontecido esses últimos tempos por causa disso e eu não sei mais como agir, o que fazer. Às vezes penso que errei ao me ocultar, ou que errei por me deixar levar. Talvez você me perdoe, ou ache a maior bobagem do mundo. Talvez eu nem diga e pague por temer dizer, mas Levi…

– Luisa.

as luzes no céu

03/02/2009

– Vê amor, vem surgindo luzes no céu.
– Você já parou pra pensar no que nos trouxe até aqui?
– Hã?
– É. Quantas pessoas já passaram por nossos braços? Quantas vezes a gente pensou que seria pra sempre e tudo terminou com um ‘tudo vai ficar bem’, ‘você vai achar outro alguém melhor que eu’?
– Por que você está falando disso agora?
– Eu só quero que você pense nisso como eu. Sabe, você não sabe o quanto eu esperei por um dia igual a esse.
– Eu não estou te entendendo, Luisa.
– Sabe, eu sempre sonhei com um carinha legal, que eu iria conhecer na escola, na fila do cinema ou de uma maneira inesperada. E ele iria me conquistar, iria me dizer coisas que alguém jamais me disse, iria fazer todos os meus desejos e eu seria a pessoa mais feliz do mundo.
– Ah, você tá querendo dizer que esse alguém sou eu? Ou que eu era pra ser esse ‘cara perfeito’?
– Não.
– E o que você tá querendo dizer então?
– Sabe Levi, eu não tenho mais os 14 anos de quando nos conhecemos. A cabeça de uma mulher muda muito dos 14 aos 21. Você não é mais o mesmo carinha com carinha de anjo por quem me apaixonei, nem eu sou mais a garotinha tímida daquele tempo…
– Eu sei disso, mas… Aonde você quer chegar?
– Estamos eu e você aqui, e como você diz “essas luzes no céu”. Esse vento frio, o céu ficando escuro. Bom, ficar abraçada contigo em cima do telhado, às 17h16min, vendo relâmpagos no céu, nesse vento frio, não foi meu sonho favorito, mas saiba, eu não podia querer mais nada.
-[risos] Você sabe que nada disso me importa. Não me importa se vai chover no dia que a gente for pra praia, ou se vai fazer calor de madrugada, ou se vai passar uma marcha fúnebre na hora de nossa alegria, o importante pra mim é estar contigo, Luisa.
– Você é um amor, Levi. – ela sorri.
– Era isso tudo que você tinha pra me dizer?
– Não, nunca vai ser suficiente.
– Então vem aqui…

Eles deitam no telhado e ficam a olhar os relâmpagos no céu, de cima do telhado.

– Levi…
– Oi…
– Eu te amo muito.
– Eu te amo muito Luisa, você sabe disso. Agora vai, me dá aquele sorriso que o mundo sente inveja…

Um beijo no close pro fim.